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O que todo católico precisa saber sobre os anjos

Solène Tadié | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

Novembro, 30.2021

O teólogo dominicano Pe. Serge Thomas-Bonino, secretário da Comissão Teológica Internacional e renomado especialista em anjos, explica fatos surpreendentes que todo católico deveria saber sobre estes nossos companheiros celestiais.

Depois de desaparecer da maioria dos lugares teológicos e filosóficos da era moderna, as questões relacionadas à angelologia recentemente retornaram ao Ocidente por meio de movimentos espirituais pós-modernos como a Nova Era.

Esse interesse crescente pelos anjos nas sociedades contemporâneas, no entanto, está dando origem a distorções perigosas da concepção metafísica cristã do mundo.

Alertado pelas numerosas perversões deste importante elemento da fé cristã, o Padre Serge-Thomas Bonino, secretário da Comissão Teológica Internacional e reitor da faculdade de filosofia da Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino, em Roma, esforçou-se para fornecer sólidos fundamentos teológicos para a crença na existência de anjos por meio de seu livro Angels and Demons: A Catholic Introduction [N.T.: “Anjos e Demônios: uma Introdução Católica”, sem tradução portuguesa, livro que consta na bibliografia de nosso curso Anjos e Demônios].

O Padre Pio reafirmava incansavelmente a importância da oração ao próprio anjo da guarda; por sua vez, o Padre Bonino está convencido de que a figura angelical dá às criaturas humanas um antegozo da beleza e da grandeza de Deus. Segundo ele, o afastamento de muitos cristãos de seus companheiros celestiais, aliado ao atual clima de confusão espiritual, evidencia a urgente necessidade de falar desses espíritos, intermediários entre os domínios humano e divino, como via de evangelização.

Com a proximidade da festa dos Santos Arcanjos, 29 de setembro, e da dos Anjos da Guarda, 2 de outubro, o site norte-americano National Catholic Register buscou os valiosos insights de Bonino sobre esse assunto espiritual, muitas vezes negligenciado.

— Frequentemente, denunciamos um “sequestro” da angelologia pelos movimentos da Nova Era, enquanto os próprios cristãos têm-se afastado gradualmente do tema. Como você explica esse fenômeno?

— Em primeiro lugar, é importante dizer que os anjos não são centrais para o cristianismo; a questão central é o mistério de Deus e de Cristo. Sua existência é, no entanto, um fato que a Escritura e a Tradição da Igreja sempre sustentaram, aprofundaram e apoiaram. Portanto, esta não é uma verdade opcional, embora não seja essencial.

Penso que, nos últimos séculos do cristianismo, houve o desejo de “desmitologizar” a fé cristã de uma forma que nem sempre foi relevante e inteligente. Para dizê-lo de forma mais popular, às vezes jogávamos o bebê fora com a água junto.

Certamente, nos tempos antigos, a figura dos anjos estava ligada a certa cosmologia que não é mais a nossa. Mas a existência dos anjos e de suas ações na vida da Igreja e na dos seres humanos sempre foram elementos muito presentes na Escritura, e a Igreja sempre ensinou essa verdade. No Catecismo da Igreja Católica, há uma parte muito importante dedicada ao mundo invisível (cf. § 325–354), que também mencionamos no Credo (“todas as coisas visíveis e invisíveis”).

Então, temo que os anjos, da forma como são apresentados nas espiritualidades da Nova Era, tenham muito pouco a ver com os anjos cristãos. Eles não são realmente seres espirituais, mas tipos de fantasmas ou “dublês”. Eles são uma invenção da imaginação. Portanto, a crença nos anjos deve ser sempre evangelizada. Significa que devemos pensar no mundo e, principalmente, nos anjos segundo os grandes mistérios do cristianismo, não segundo a nossa própria imaginação ou projeção.

— A perda de consideração pelos anjos da guarda é uma consequência da perda da fé do povo nas culturas e sociedades cristãs?

— A doutrina relacionada aos anjos da guarda está intrinsecamente ligada à fé na Providência divina. Provavelmente, é a fé na Providência a que mais sofre, hoje em dia, de certa fraqueza. Vimos isso durante a crise do coronavírus. Deus nunca foi realmente levado em conta durante todo esse tempo. A melhor coisa que se disse foi que Deus apoiou os enfermos e os esforços da equipe médica, mas o fato de que o cosmos e os eventos estão todos nas mãos de Deus não é mais tão óbvio para muitos cristãos, infelizmente.

Por isso, acredito que a devoção aos anjos da guarda é uma forma de lembrar que a Providência tem uma dimensão cotidiana e diz respeito aos detalhes próprios de nossas vidas.

— Qual é o papel específico do anjo da guarda na vida humana?

— Os anjos da guarda são um instrumento da Providência. Não são executores indiferentes, porque tudo o que fazem é fruto de sua própria caridade para conosco. Uma coisa que costumamos esquecer é que os anjos fazem parte da comunhão dos santos. No céu, eles participam da alegria da visão de Deus. Eles estão unidos a Deus e, portanto, desejam o que Deus deseja: a nossa salvação. Eles querem que os seres humanos se santifiquem. Assim, os anjos da guarda estão, por amor, a serviço do homem para o guiar no caminho que o conduz a Deus.

No entanto, como todos devem saber, esse caminho está cheio de armadilhas. Por isso, precisamos da ajuda de nossos anjos da guarda, a qual pode assumir milhares de formas diferentes. Eles podem nos inspirar bons pensamentos e resoluções. Gosto de citar o lindo filme Wings of Desire, de Wim Wenders [“Asas do Desejo”, em português], em que vemos anjos da guarda circular pela cidade de Berlim. Em uma cena que se passa em um ônibus em Berlim, vemos um homem totalmente desesperado. Ele pensa que desperdiçou a vida; ele até considera o suicídio. Nesse ponto, vemos um anjo da guarda aparecer (o personagem não o vê) e colocar o braço em volta de seus ombros, sem dizer nada. Podemos sentir que ele está transmitindo algo. Ouvimos a ruminação interna do homem parar de repente, enquanto seus pensamentos vão aos poucos para outra direção. Ele começa a ver alguns aspectos positivos na vida: lembra-se de um gesto simpático que recebeu de um amigo; lembra-se das pessoas que se importam com ele e finalmente começa a ganhar um novo coração.

Esta cena é, a meu ver, uma forma muito bonita de explicar a ação dos anjos da guarda, que podem nos inspirar bons pensamentos e desejos. Eles também podem agir em circunstâncias externas de nossas vidas para nos proteger em tempos difíceis, para evitar acidentes, favorecer o encontro com outras pessoas e assim por diante. Todas essas ações pertencem à Providência, que se concretiza por meio deles.

A festa dos anjos da guarda é realmente uma celebração da Providência divina, que usa cada criatura para nos guiar em direção ao nosso Criador. Essas criaturas podem, é claro, ser anjos, nossos parentes no céu, mas também nossos pais, amigos ou padres.

— Quais são os principais erros da concepção pós-moderna de anjos?

— Há um primeiro erro, que não é especificamente pós-moderno e que os cristãos também podem cometer. Trata-se de uma espécie de infantilização do relacionamento com o anjo da guarda, de pensar que ele está aqui para realizar todos os nossos desejos. Nossos anjos da guarda não devem executar nossos desejos, mas realizar a vontade de Deus para nós, fazer que desejemos o que Deus quer para nós.

Então, eu penso que o anjo pós-moderno é uma espécie de reação ao enfraquecimento de nossa relação com o cosmos. Já que o cosmos é visto como uma espécie de grande máquina inerte que somente a ciência poderia explicar — como é o caso da mentalidade contemporânea —, então os sonhos são necessários. Portanto, nós [como sociedade secular] compensamos a aridez e o desencanto do mundo reencantando-o de forma puramente antropocêntrica, imaginando criaturas estranhas que estariam a nosso serviço. Eles não são mais criaturas a serviço dos planos de Deus. Esta é a grande diferença entre os anjos cristãos e as figuras que podemos encontrar na cultura contemporânea.

— Qual é a diferença concreta entre arcanjos e anjos da guarda?

— Na Escritura, encontramos várias categorias de anjos. Posteriormente, elas foram sistematizadas por Pseudo-Dionísio, o Areopagita, na obra Sobre a hierarquia celeste, onde se distinguem nove categorias de anjos. Nesta hierarquia, os anjos mais elevados, os querubins e serafins, são os que estão mais voltados para a adoração a Deus. Todos os anjos adoram a Deus, mas alguns deles estão mais dedicados a isso. Os outros anjos, que estão mais próximos do mundo material, são enviados por Deus para ajudar os seres humanos na terra. A categoria “mais baixa” — se é que posso usar esse termo, considerando que são infinitamente superiores a nós — são os simples anjos. E logo acima estão os arcanjos, que têm missões importantes no que diz respeito à história da humanidade. Foi, por exemplo, o arcanjo Gabriel quem anunciou a boa-nova da Encarnação a Maria. Essas categorias nunca foram formalmente definidas pela Igreja, mas fazem parte de uma venerável tradição. Então, digamos que os arcanjos estão acima dos anjos da guarda, como um general está acima de um soldado.

— Que poder os anjos têm, em suas ações, sobre os anjos decaídos?

— Eles têm o poder de cumprir as ordens de Deus contra os demônios. Portanto, seu poder sobre os demônios depende do poder de Deus sobre os demônios. Deus permite que o diabo faça coisas que podem, de alguma forma, ser boas para uma pessoa. Por exemplo, Ele pode deixar um demônio nos tentar para nos tornar mais fortes, para nos tornar capazes de mostrar mais caridade em nossa vida, para crescer espiritualmente. Entretanto, Deus também pode prevenir algumas ações demoníacas porque isso atrapalharia seu plano, e os anjos sempre realizam a sua vontade. Portanto, eles são capazes de prevenir algumas ações dos demônios contra os seres humanos.

Santo Tomás de Aquino costumava dizer que um anjo da guarda é atribuído a cada criatura humana desde a sua concepção, a fim de evitar os perigos que vêm dos demônios, que obviamente desejam a morte dos homens.

— Qual é o poder de intercessão específico dos anjos, em comparação com o dos santos?

Eles têm o mesmo poder. Os anjos, precisamente porque pertencem à comunhão dos santos, rogam por nós. É por isso que os invocamos durante a Ladainha de Todos os Santos, e até começamos com eles, depois da Virgem Maria.

Mas os anjos têm uma dupla mediação, ou seja, uma mediação ascendente e uma mediação descendente. Por um lado, trazem e nos transmitem a ternura de Deus e, por outro, nos fazem subir a Deus em oração e intercedem por nós. É por isso que a Bíblia diz que eles oferecem incenso a Deus, pois o incenso é o símbolo da oração que sobe a Deus. Vemos isso claramente na Sagrada Escritura, que nos diz que os anjos sobem sobre o Filho de homem (cf. Jo 1, 51), ou seja, fazem as nossas orações subirem a Deus e, depois, descerem para nós as bênçãos de Deus, transmitindo-nos bons pensamentos e graças.

— Como a Igreja poderia se reapropriar da angelologia, aproveitando o crescente interesse das pessoas por essas criaturas celestiais?

— Devemos continuar evangelizando as crenças das pessoas em relação aos anjos, como a Igreja sempre fez no passado. Acho que nosso ensino sobre os anjos não deve ocupar o centro das atenções, mas é importante, pois nos lembra a dimensão espiritual da existência.

O simples fato de pensar em um mundo angelical, que é um mundo puramente espiritual, seria uma boa maneira de lutar contra o materialismo subjacente do mundo e fazer as pessoas entenderem que não existem apenas realidades materiais. A pregação sobre os anjos convida-nos a ter uma ideia maior e mais bela de Deus, como recorda a Liturgia dos Santos Anjos que celebraremos. Na verdade, o prefácio diz: “É a vós que glorificamos, ao louvarmos os anjos, que criastes e que foram dignos do vosso amor. A admiração que eles merecem nos mostra como sois grande e como deveis ser amado acima de todas as criaturas”.

Pensar na beleza do mundo angélico nos permite vislumbrar a beleza e a grandeza de Deus.

Hoje em dia, ao pensar no que é um ser humano, duas referências vêm à mente.

A primeira é a de um macaco. Ensinamos às crianças que os seres humanos são uma espécie de macaco aperfeiçoado. É verdade que temos um enraizamento no mundo animal, isso é certo. Mas lembrar que também temos um enraizamento no mundo espiritual e que nossos parentes mais próximos podem não ser chimpanzés, mas anjos, muda nossa percepção da humanidade. Somos chamados a essa reflexão quando o Senhor diz que seremos “como os anjos no céu” (Mt 22, 30). Ele não diz que seremos como chimpanzés em suas bananeiras, mas como anjos.

O segundo modelo é o de um robô. Quando tentamos pensar sobre a pessoa humana, tendemos a compará-la com o que um robô pode ou não pode fazer. E pensar que nosso verdadeiro modelo, através do qual devemos nos considerar, é um anjo e não um robô, ajuda a colocar a pessoa humana em seu devido lugar.

Assim, o homem terá uma noção de sua grandeza, e isso o fará entender que ele não é uma espécie de robô fracassado porque algumas de suas funções nem sempre funcionam muito bem, nem uma espécie de super-macaco, mas um parente encarnado dos anjos. Na verdade, por meio de sua alma, o ser humano está em contato próximo com o mundo espiritual dos anjos. Esta é uma boa maneira de nos aproximar de Deus. Portanto, os anjos podem ser bons intermediários para nos levar a Deus.

— Existe alguma oração específica aos santos anjos que costuma rezar e queira recomendar aos nossos leitores?

— Eu mencionaria, é claro, a oração ao nosso anjo da guarda. E há orações muito bonitas durante a Missa na festa dos Santos Arcanjos e Anjos da Guarda. Então, podemos orar a eles de maneira muito simples e direta, como oramos aos santos.

Assim como o arcanjo Rafael guiou o jovem Tobias em sua jornada a Ecbátana (cf. Tb 5, 5-15), podemos invocá-lo também, pedindo-lhe que seja nosso companheiro de viagem, tanto para uma viagem física quanto para nossa jornada espiritual em direção a Deus.

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